A história da Serra Pelada é uma das mais marcantes do Brasil. Um episódio que mistura esperança, ambição, miséria, tragédia e um retrato cru das desigualdades sociais. Localizada no sul do estado do Pará, no município de Curionópolis (próximo a Marabá), a região foi palco, entre os anos 1980 e 1990, da maior corrida do ouro da história moderna do país — e uma das maiores do mundo. Mais de 100 mil homens se amontoaram em um cenário surreal, cavando com as mãos em busca da promessa de riqueza instantânea.
O Início: O Ouro que Brotou da Terra (1979–1980)
Tudo começou em setembro de 1979, quando um agricultor chamado Genésio Ferreira da Silva, ao cavar em sua propriedade rural, encontrou pequenas pepitas de ouro no leito de um córrego. A notícia rapidamente se espalhou pelas redondezas e, logo em seguida, chegou aos ouvidos do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão responsável por fiscalizar recursos minerais no Brasil.
Após análises geológicas confirmarem a existência de ouro em quantidade considerável, a corrida começou de forma desorganizada. Em poucos meses, milhares de pessoas, principalmente homens vindos do Nordeste, do interior do Pará, do Maranhão, do Tocantins e de outros estados pobres do Brasil, rumaram para a região.
Em 11 de janeiro de 1980, o governo federal declarou oficialmente a área como garimpo e proibiu a exploração mecanizada, determinando que apenas o trabalho manual seria permitido. Com isso, o garimpo de Serra Pelada se tornou símbolo do esforço humano extremo.
O Auge: Um Formigueiro Humano (1980–1984)
A cena era apocalíptica e mítica ao mesmo tempo. Um imenso buraco a céu aberto, com milhares de homens enfileirados nas encostas de lama, carregando sacos de terra nas costas. O trabalho era exaustivo, perigoso e insalubre. A cada dia, surgiam lendas sobre pepitas gigantes, como a que teria sido encontrada pesando mais de 6,8 quilos.
O local chegou a reunir mais de 100 mil garimpeiros — todos buscando o sonho de enriquecer do dia para a noite. A cidade improvisada que cresceu ao redor era caótica: não havia saneamento, segurança ou infraestrutura. Em vez disso, havia sujeira, doenças, armas e prostitutas. O comércio girava em torno do ouro, que era usado como moeda viva.
Para evitar que o caos saísse do controle, o governo militar nomeou o Major Sebastião Curió como interventor da área. Ele se tornou uma figura emblemática do garimpo, impondo regras rígidas, mas também acusado de corrupção, violência e censura. Sob seu comando, a exploração seguiu por anos com uma aparência de ordem forçada.
Violência, Degradação e Tragédias
Serra Pelada também ficou marcada por tragédias humanas. A violência era constante. Brigas por território, roubos de pepitas, execuções sumárias e exploração sexual eram comuns. Muitos garimpeiros trabalhavam endividados para “donos de barrancos” ou comerciantes, nunca saindo do ciclo de pobreza.
Estima-se que mais de 50 toneladas de ouro foram retiradas do local entre 1980 e 1986. Boa parte desse ouro nunca foi registrada oficialmente, sendo levada ilegalmente para o mercado negro ou negociada com atravessadores.
Ambientalmente, o impacto foi catastrófico. O garimpo destruiu a paisagem, contaminou nascentes com mercúrio e desmatou amplas áreas da floresta amazônica.
O Fim do Sonho Dourado (1986–1992)
A partir de 1986, o garimpo começou a declinar. As principais jazidas superficiais se exauriram, e as condições de trabalho se tornaram ainda mais precárias. Muitos já não conseguiam extrair sequer o suficiente para se sustentar.
Em 1992, o governo federal fechou o garimpo oficialmente, alegando riscos de desmoronamento e insalubridade. Também houve forte pressão para preservar o meio ambiente e combater o tráfico de ouro. Com isso, o buraco de Serra Pelada foi alagado, dando fim à era do ouro no local.
Muitos ex-garimpeiros permaneceram na região, vivendo em situação de pobreza. Outros voltaram para suas cidades de origem, frustrados ou traumatizados. Poucos realmente enriqueceram — a maioria saiu de lá com doenças, dívidas ou cicatrizes profundas.
Serra Pelada Hoje
Hoje, a área de Serra Pelada é administrada pela Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (COOMIGASP). Por décadas, ela esteve envolvida em disputas judiciais e acusações de corrupção. Tentativas de retomada da mineração de forma industrial foram feitas, inclusive com parceria de empresas canadenses, mas esbarraram em problemas legais e ambientais.
O antigo garimpo virou uma espécie de museu a céu aberto da miséria e da ganância humana. Ainda atrai visitantes, jornalistas e estudiosos, interessados em entender como um surto de esperança transformou a região em palco de uma das maiores epopeias sociais do Brasil.
O Legado
Serra Pelada ficou imortalizada em fotografias, livros e no cinema — como no filme Serra Pelada (2013), de Heitor Dhalia, e no documentário Garimpeiros (1982), de Jorge Bodanzky. As imagens captadas pelo fotógrafo Sebastião Salgado, que mostram os garimpeiros cobertos de lama, em escadarias humanas intermináveis, são consideradas ícones do século XX.
Curiosidades
Existe ouro atualmente em Serra Pelada?
Sim, ainda há ouro em Serra Pelada — porém, em quantidades muito diferentes do passado, e sua extração atual é limitada e desafiante:
Reservas de ouro remanescentes
Estudos geológicos estimam que ainda há cerca de 50 a 100 toneladas de ouro na rocha subterrânea de Serra Pelada — que fica sob o antigo buraco inundado e nos rejeitos do garimpo original. Há também depósitos de platina e paládio, mas sua extração não é realizada.
Por que o ouro não é extraído em larga escala?
Estar incorporado à rocha dura demanda perfuração, trituração e processos químicos complexos — operações caras e ambientalmente arriscadas.
A COOMIGASP firmou parcerias, como com a canadense Colossus, para explorar a área no subsolo e nos rejeitos — porém sem sucesso: os custos elevados inviabilizaram o projeto e a empresa faliu em 2014.
Garimpo artesanal ainda existe?
Sim, de forma pontual e empobrecida: alguns ex-garimpeiros fazem pequenas escavações nos arredores ou mesmo em seus quintais. Outros concentram-se na recuperação ambiental e no turismo, enquanto grandes projetos se voltam a minerais como ferro e cobre — embora não em grande escala de ouro .
Situação atual
Hoje, Serra Pelada não é mais explorada como no passado. A antiga cratera virou um lago contaminado, existe turismo histórico e ambiental, e a localidade busca diversificação econômica via agricultura, apicultura e mineração de outros minerais como hematita (projeto Serra Leste)
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